Portal Ciência & Vida - Filosofia, História, Psicologia e Sociologia - Editora Escala.
A importância do diagnóstico diferencial
A análise clínica baseada nos sintomas e na queixa do paciente é insuficiente para o fechamento de um diagnóstico adequado, o que leva a erros na conduta terapêutica
Por Leonardo Mascaro
É interessante notar como, atualmente, mais e mais casos de Déficit de Atenção, tanto em crianças quanto em adultos, vêm sendo diagnosticados na população não só brasileira, mas ao redor de todo o globo, indicando, juntamente com depressão e ansiedade, um fenômeno de escala mundial.
Como identificar, objetiva e claramente, o Déficit de Atenção? Quais estruturas cerebrais estão envolvidas nesse comprometimento? E, do ponto de vista clínico, como este pode – e deve – ser diferenciado de seus pares, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), a Dislexia e a Anoxia, com os quais muitas vezes, se dependermos apenas e tão somente do exame clínico, é confundido, causando erros na conduta terapêutica a ser adotada em cada caso?
A resposta para essas perguntas é uma só: pela realização do exame funcional e eletroencefalográfico, podemos obter a informação neurofisiológica que nos permite identificar – e tratar – cada uma dessas condições adequadamente.
Antes de mais nada, como apontei em meu mais recente livro, Para que Medicação? (Campus-Elsevier, 2011), cada uma dessas condições apresenta uma assinatura eletroencefalográfica própria e bem distinta, que por si só já permitiria identificar e diferenciar, um em relação ao outro, cada um desses comprometimentos. A ilustração dessas assinaturas foge ao escopo do presente artigo, mas pode ser conferida no citado livro.
No entanto, e de maneira complementar, para que se possa ter a segurança e a certeza necessárias ao fechamento de um diagnóstico, é necessário cruzar a informação eletroencefalográfica com aquela fornecida pelos exames funcionais, em que diferentes estruturas cerebrais apresentam comprometimento, em cada caso.
Também no livro apresento o principal sistema neurológico envolvido tanto nos casos de Déficit de Atenção (DDA/ DDAH), quanto nos de TOC, o giro do cíngulo. Ali demonstro como, no Déficit de Atenção, rompimentos anômalos de conectividade funcional entre o córtex do cíngulo anterior e posterior, bem como entre outras estruturas da linha mediana do cérebro, tais como cúneus, precúneus, córtex frontal médio e córtex parietal lateral , estruturas estas ativamente participantes de uma ampla rede de processamento da função executiva de atenção, levam a essa desordem do desenvolvimento neurológico.
Mais ainda, verificou-se que, especificamente nos casos de DDA/DDAH, o cérebro desses pacientes parece incapaz de ativar, isto é, recrutar a porção cognitiva do córtex do cíngulo anterior. E, considerando que o córtex do cíngulo anterior mantém fortes conexões recíprocas com o córtex pré-frontal dorso-lateral, isso ajudaria a explicar a origem da assinatura eletroencefalográfica lentificada especialmente presente nessa região do hemisfério direito do cérebro. Essas baixas de acoplamento funcionam e levam a padrões alterados de eficiência local, representados por atrasos na transferência da informação, especificamente nas estruturas da linha mediana do cérebro, incluindo as áreas frontais, principalmente do hemisfério direito, que, no exame eletroencefalográ fico, acabam por apresentar a assinatura neurológica que caracteriza o DDA/DDAH.
SE NO DDA/DDAH O PROBLEMA É ATIVAR A PORÇÃO COGNITIVA DO CÓRTEX DO CÍNGULO ANTERIOR, NO TOC, AO CONTRÁRIO, É A ATIVIDADE EXACERBADA DO CÍNGULO ANTERIOR QUE CONTRIBUI PARA O DESENVOLVIMENTO DA DOENÇA
E, já que falamos de como uma condição muitas vezes mimetiza a outra, isto é, como um caso de DDA/DDAH pode parecer-se, clinicamente, com um de TOC, e vice-versa, vale citar aqui como diferenciamos uma condição da outra, complementarmente ao exame de assinaturas eletroencefalográficas. Assim, se no DDA/DDAH o problema é ativar a porção cognitiva do córtex do cíngulo anterior, no TOC, ao contrário, é a atividade exacerbada do cíngulo anterior que contribui para o desenvolvimento da doença.
E, como disse, as estruturas que citei participam de uma rede mais ampla de processamento da função executiva de atenção, que envolve outras estruturas, tais como a ínsula, o giro fusiforme e o giro lingual. Nas próximas colunas vou entrar em maiores detalhes sobre os aspectos funcionais de cada uma dessas estruturas, bem como de seu papel na modulação da atenção e até mesmo de aspectos ligados à propriocepção e à consciência. Por ora, e apenas para complementar a discussão referente à realização de diagnósticos, lembro dois aspectos importantes. O primeiro deles, complementando as informações fornecidas aqui, diz respeito à dislexia. O diagnóstico que a diferencia das demais condições citadas aqui se dá pela identificação da assinatura eletroencefalográfica para dislexia presente no lobo temporal esquerdo. Para anoxia, a assinatura que a caracteriza, e que se aproxima muito daquela para Déficit de Atenção, vai ser encontrada em ambos os lobos frontais, esquerdo e direito, e não apenas no lobo frontal direito, como no caso específico do Déficit de Atenção.
Finalmente, deixo a pergunta: com base em toda a riqueza de informações que apresento nesta coluna, como é possível imaginar que se possa fazer um diagnóstico seguro e certo, objetivamente determinado, apenas pela análise clínica do comportamento e/ou relato do paciente, seja ele adulto ou criança? Até o mês que vem!
Leonardo Mascaro é psicólogo, mestre em Neurociências (USP), especializado e certificado internacionalmente em Neurofeedback (BCN -Board Certified on Neurofeedback) pela BCIA (Associação Internacional de Certificação em Biofeedback - EUA). É autor dos livros A Arquitetura do Eu e Para que Medicação? (Editora Campus-Elsevier).
Nenhum comentário:
Postar um comentário